Uma vida dedicada à poesia
Autor
de uma das obras poéticas mais extensas e marcantes da poesia portuguesa
contemporânea, António Ramos Rosa morreu ontem aos 88 anos.
António
Ramos Rosa, poeta e ensaísta, é um dos nomes cimeiros da literatura portuguesa
contemporânea, autor de quase uma centena de títulos, de O Grito Claro (1958),
a sua célebre obra de estreia, até Em Torno do Imponderável, um
belo livro de poemas breves publicado em 2012. É exemplo de uma entrega radical
à escrita, como talvez não haja outro na poesia portuguesa contemporânea.
Além
da sua vastíssima obra poética, escreveu livros de ensaios que marcaram
sucessivas gerações de leitores de poesia, como Poesia, Liberdade Livre (1962)
ou A Poesia Moderna e a Interrogação do Real (1979), traduziu
muitos poetas e prosadores estrangeiros, sobretudo de língua francesa, e
organizou uma importante antologia de poetas portugueses contemporâneos (a
quarta e última série das Líricas Portuguesas). Era ainda um dotado
desenhador.
Prémio
Pessoa em 1988, António Ramos Rosa, natural de Faro, recebeu ainda quase
todos os mais relevantes prémios literários portugueses e vários prémios
internacionais, quer como poeta, quer como tradutor.
Texto da autoria de Luís Miguel Queirós (com supressões e adaptações)
Fonte: http://www.publico.pt/cultura/noticia/morreu-antonio-ramos-rosa-1606787#/0
A Mulher
Se é clara a luz desta vermelha margem
é porque dela se ergue uma figura nua
e o silêncio é recente e todavia antigo
enquanto se penteia na sombra da folhagem.
Que longe é ver tão perto o centro da frescura
e as linhas calmas e as brisas sossegadas!
O que ela pensa é só vagar, um ser só espaço
que no umbigo principia e fulge em transparência.
Numa deriva imóvel, o seu hálito é o tempo
que em espiral circula ao ritmo da origem.
Ela é a amante que concebe o ser no seu ouvido, na corola
do vento. Osmose branca, embriaguez vertiginosa.
O seu sorriso é a distância fluida, a subtileza do ar.
Quase dorme no suave clamor e se dissipa
e nasce do esquecimento como um sopro indivisível.
António Ramos Rosa, in "Volante Verde"
é porque dela se ergue uma figura nua
e o silêncio é recente e todavia antigo
enquanto se penteia na sombra da folhagem.
Que longe é ver tão perto o centro da frescura
e as linhas calmas e as brisas sossegadas!
O que ela pensa é só vagar, um ser só espaço
que no umbigo principia e fulge em transparência.
Numa deriva imóvel, o seu hálito é o tempo
que em espiral circula ao ritmo da origem.
Ela é a amante que concebe o ser no seu ouvido, na corola
do vento. Osmose branca, embriaguez vertiginosa.
O seu sorriso é a distância fluida, a subtileza do ar.
Quase dorme no suave clamor e se dissipa
e nasce do esquecimento como um sopro indivisível.
António Ramos Rosa, in "Volante Verde"